Centro de Portugal: A nova capital do Gaming (uma reportagem)

Fica aqui e para arquivo a reportagem que foi feita por alguém no “turismo do centro” intitulada “Centro de Portugal: A nova capital do Gaming

“Centro de Portugal: A nova capital do Gaming

Byron Sanders veio de Inglaterra de propósito para Portugal por amor a uma conimbricense. E veio de Coimbra de propósito para Cantanhede por curiosidade com o Street Gaming. Um evento que, por sua vez, lhe está a proporcionar uma outra viagem: À sua infância.

Naquele instante, Byron fecha os olhos e vê-se a caminhar nas Midlands, nos arredores de Birmingham, nos entardeceres após a escola. É novembro, o tempo está frio e cinzento, em contrataste com o seu entusiasmo. A mochila bate-lhe nas costas com os passos apressados no alcatrão. Está ansioso por chegar a casa, ligar a sua Master System e jogar «Sonic» até à hora do jantar. E se ainda não for desta que consegue terminar o videojogo do famoso ouriço azul, não há problema, tem a manhã toda de sábado e, dessa vez, já na companhia dos amigos.

“Carrega no botão, salta, salta”. Byron sorri à medida que dá as instruções. Tem uma cerveja preta na mão e a filha Olívia de três anos no colo. É ela que tem o comando. Juntos, divertem-se na alegre companhia da simpática mascote da Sega.

“É maravilhoso poder reviver estas memórias hoje. Poder ver a minha filha a jogar o mesmo jogo que eu jogava quando também era criança; é fantástico”.

Afirma que o Street Gaming é o primeiro evento de gaming em que participa. “Acho incrível. A mistura de gerações e até de nacionalidades que isto proporciona, a atmosfera hospitaleira. É absolutamente incrível!”.

Durante a conversa, Byron não consegue esconder o entusiamo de ver a filha a jogar. “Não caias na lava, cuidado!”. Passaram 30 anos, mas parece ter sido ontem que andou a recolher anéis dourados nos prados verdejantes de Green Hill. “Este jogo é simples e convidativo, não é complexo e técnico como os jogos de hoje. A simplicidade destes jogos é mágica. Ela tem três anos e já chegou ao nível dois. Acho que isso é fantástico”.

Com olhar nostálgico, lembra-se das sensações quando transitou da Master System para a Mega Drive – “A diferença era inacreditável, os gráficos eram incríveis” – e das tardes das férias de verão a jogar «Streets of Rage» com o irmão: “Que jogo, meus Deus! Passámos bons momentos a jogar isso!”.

Fica radiante quando descobre que também pode reviver esses momentos, pois essa consola e esse jogo também estão disponíveis no evento. “Há tantos equipamentos aqui, isto é inacreditável!”.

Byron olha em redor, com o som de dezenas de máquinas arcade e consolas dos anos 70, 80, 90 e 00 a ecoar à sua volta e o vislumbre de incontáveis mundos pixelizados. “Ainda não consigo acreditar que isto é gratuito. Em Inglaterra pagaria, no mínimo, 25 libras. Eu teria pago para vir aqui! É extraordinário que isto esteja aqui à disposição de toda a gente. Irei voltar, podem crer que irei voltar!”, assegurou, enquanto leva as filhas Olívia e Aurora pela mão, na companhia da mulher (Filipa), nesta visita guiada à sua infância.

Gaming para toda a família
O duo organizador do Street Gaming, João Diogo Ramos e Marco Fresco, sorriem perante esse quadro. “O nosso evento é isto! Um evento de diversão, direcionado para toda a família e que reúne todo o tipo de gaming, do mais antigo ao mais recente”, afirma João.

“Temos máquinas arcade clássicas e uma seleção enorme de consolas e computadores de antigamente que proporcionam aos nossos visitantes a oportunidade única de experimentar grandes clássicos dos videojogos”, complementa Marco. “Da mesma forma que temos consolas e computadores de última geração, onde é possível experimentar os jogos mais populares da atualidade e até viver experiências de realidade virtual”.

O Street Gaming, sublinham, não é o típico evento de gaming onde os pais levam os filhos para que estes se divirtam, de forma unilateral. “Aqui, os pais não ficam à espera, a olhar para o boneco, ansiosos por chegar a hora de voltar para casa”, destaca Marco, a rir.

Aqui, todos participam, ativa e entusiasticamente. Os pais mostram aos filhos as máquinas arcade que existiam nos salões de jogos e nos cafés, ou as consolas que tinham – ou sonhavam ter – em casa. Da mesma forma que os filhos levam os pais para o palco para jogarem juntos jogos da Playstation 5 (PS5) ou experimentar capacetes de realidade virtual.

Marco relata um episódio curioso: “Há pais que jogaram «Street Fighter 2» nas máquinas nos anos 90 e que, entretanto, nunca mais jogaram. Quando entram no recinto, ficam entusiasmados com a possibilidade de matar saudades desse clássico”. “Mas sem meter moedas”, acrescenta João, com uma gargalhada.

“No entanto” – prossegue Marco, “é difícil explicar a expressão no rosto desses mesmos pais quando os seus filhos os levam à secção da Playstation 5 (PS5) e os desafiam para jogar a versão atual, o «Streer Fighter 6». Ficam admiradíssimos: ‘Epá, como isto evoluiu…’ ”.

“No Street Gaming, fomentamos essa conecção das famílias, pais e filhos, unidos por um gosto comum, mas separado por 30 ou 40 anos. Nós fazemos a ponte entre essas décadas”, afirma João.

Infâncias marcadas pelos videojogos
João Diogo Ramos e Marco Fresco não decidiram criar o Street Gaming por mera casualidade. Há uma história que inclui coincidências improváveis, estradas empreendedoras distintas e uma ligação comum: uma paixão de infância pelos videojogos.

Em Febres (Fontinha), em meados dos anos 80, João adorava quando os pais decidiam ir ao café local. Tentava sempre “sacar” uma ou duas moedinhas de cinquenta escudos e descia à cave, onde havia mesas de bilhar e uma máquina arcade. Os jogos iam variado com o tempo, mas todos lhe devoravam moedas. Fosse o «Arkanoid», o «Pang», o «R-type» ou o «1942», que tinha um apetite particularmente apurado.

Depois começaram a aparecer os jogos de luta, “Beat ‘em ups”, que se tornaram o seu género de eleição. Passava horas a jogar «Final Fight», «Cadillacs and Dinosaurs», «Shadow Dancer». “Tudo o que tivesse artes marciais, eu era fã. Alugava todos os filmes de kung fu no videoclube”.

Mas foi em casa, com o ZX Spectrum, que ficou marcada a sua ligação aos videojogos. “Representava algo que penso ser comum a muitas pessoas. O sonho de poder ter em casa os jogos que víamos nos cafés, nas máquinas arcade”.

Relata um fenómeno curioso: “Os cartazes, as capas, todo o art work dos jogos Spectrum faziam uma promessa que depois o jogo não cumpria, graficamente. Os jogos não tinham nada a ver com os das máquinas de jogos. Mas nós imaginávamos que tinha”.

Algumas das cassetes mais rodadas no gravador ligado ao Spectrum foram o «Pheenix» – “um jogo tipo Space Invaders”, o «Tiger Road», o «High Noon» – “um duelo de pistoleiros do velho Oeste, achava-lhe imensa piada”, o «Barbarian» – “Adorava este! Era uma cópia descarada do Conan e eu adorava os filmes do Conan”, ou o «Robocop» – “Tinha a sensação que este era o ‘suprassumo’ dos jogos, os gráficos grandes e detalhados, os movimentos, o gajo até falava!”.

Teve ainda uma fase – enquanto jogador – pelo PC, “um potentíssimo 386”, onde jogou «Kings of Beach Volley» e testemunhou o aparecimento de clássicos como o «Wolfenstein» ou «Doom», sem esquecer o famigerado «FIFA» da Electronic Arts, ou alguns pelos quais nutria particular predileção, como o «Dune», «Syndicate» ou «Phantasmagoria».

Hoje, é raro jogar. A não ser na altura do Natal, onde, por nostalgia, “auto-obriga-se a ligar as consolas”, especialmente o Game Boy. “Passado meia hora estou farto”, diz, a rir. “Jogar, para mim, é essencialmente um exercício de nostalgia. O sonho sempre foi recriar as arcades em casa”.

Numa tarde no início dos anos 90, Marco Fresco chegou a casa e encontrou um computador.

“Foi algo repentino, nem tínhamos secretária para ele, estava em cima de uma cadeira e o rato no chão”. Começou a explorar o objeto novo e descobriu um jogo, o «Sokoban». “Basicamente, tinhas de empurrar uns caixotes para dentro de um elevador. Foi o meu primeiro videojogo de sempre, nunca mais me esqueci. A partir do momento em que joguei aquilo, abri a minha mente para aquela caixa mágica que era o computador”.

A partir daí, nunca mais parou. Passou para a Familly Game – uma clone da Nintendo (NES) que foi bastante popular em Portugal na primeira metade dos anos 90 – onde, para além do famoso «Super Mario Bros», divertia-se imenso com jogos como «Darwing Duck» ou «The Legend of Kage».

Depois veio a Super Nintendo (SNES), onde passou dias e noites a explorar cada recanto de «Mickey Mania», a distribuir pancada no «Super Double Dragon» e no «Killer Instinct», ou a tentar marcar triplos no «Bulls VS Blazers and the NBA Playoffs».

Nos salões de jogos, as máquinas que mais lhe prendiam a atenção – e o dinheiro – eram o «Cadillacs and Dinosaurs», o «The Simpsons» e o «Alien Vs predator».

Os anos passaram e Marco mudou-se de Coimbra para Lisboa, criou – juntamente com a namorada, Sabrine Lázaro – um canal de videojogos, o MF Gaming, onde falava sobre os jogos que mais o divertiam. Depois vieram as reviews de jogos, as live streams e a cobertura de eventos. Pelo meio, criaram iniciativas inéditas, como “Quem Quer Ser Um Gamer Milionário”, uma versão gaming do célebre concurso de televisão, onde ofereciam jogos aos vencedores.

A criatividade dessa iniciativa – aliada à naturalidade com que Marco comunicava – despertou a atenção da Sigma 3, a produtora que fazia o curto-circuito na SIC Radical.

Durante um passeio matinal de bicicleta, recebeu um telefonema: Era um convite para apresentar um programa de televisão dedicado a videojogos antigos: O Retrogamers.

O programa foi – e continua a ser – um sucesso. “Dá-me um gozo à bruta fazer o programa. Especialmente porque estou acompanhado por mais malta que gosta disto à séria”, afirma Marco.

Foi no contexto desse programa que Marco Fresco foi a Cantanhede, para visitar o primeiro museu dedicado ao ZX Spectrum do mundo. Foi lá que, sem fazer ideia, reencontrou João Diogo Ramos, fundador e curador do museu, cuja história já contámos na nossa rubrica de Histórias de empreendedorismo, na reportagem “O empreendedor quer, o colecionador sonha, o Museu Spectrum nasce“.

Ambos conheciam-se das noitadas nas Docas de Coimbra, entre 2005 e 2010. Não se viam desde então.

Como surgiu o Street Gaming
Esta é já a terceira edição do Street Gaming. A ideia para o evento surgiu com um desafio. Era inverno, estava quase a chegar o Natal de 2022, e Marco e João estavam em Lisboa, na Comic Con, o primeiro como responsável pela área de gaming e o segundo em representação do Museu Load ZX Spectrum.

No final de um dos dias do evento, já com considerável cansaço e cerveja no corpo, Marco quebrou o silêncio com um desabafo: “Epá, estamos aqui a trabalhar tanto para outros, quando podíamos estar a fazer isto nós”. João olhou determinado para o amigo. “Queres fazer isto em Cantanhede? É já!”.

Não era só o álcool a falar. Seis meses depois, o Street Gaming estreava em Cantanhede, com milhares de visitantes a deambular pelos 400 metros quadrados de uma enorme tenda branca instalada na Praça Marquês Marialva.

“Conseguimos fazer um evento que ninguém tinha feito”, frisa João. O que é diferente é que isto não é um evento híper competitivo de gaming. Não é um evento e-sports. É um evento para ir em família ou num grupo de amigos e, simplesmente, divertirem-se.”

“A maior parte dos eventos em PT são direcionados ao gamer hardcore”, acrescenta Marco. “Nós fazemos torneios onde qualquer pessoa pode ir e participar. E ganhar!”, frisa, referindo-se a um jovem que ganhou um dos torneios desta edição do Street Gaming, tendo enfrentado, inclusivamente, jogadores profissionais.

“Qualquer miúdo que está em casa a jogar Fifa ou Mortal Kombat com os amigos, pode vir aqui e surpreender toda a gente. Mas, sobretudo, divertir-se!”.

Para além do vasto espaço dedicado ao retrogaming, o duo organizador destaca também a presença de consolas e computadores de última geração (cedidos pela Switch Technology e pela Grow Up) à inteira disposição dos visitantes; a presença de muitos youtubers e influenciadores populares entre os jovens, que animam constantemente as atividades; a celebração da cultura Pop com iniciativas – e até concursos – de cosplay; a área recheada de merchandising (Valquíria); momentos dedicados ao K-pop e concertos musicais; e a “oferta museológica única”, proporcionada pelo Museu LOAD ZX Spectrum.

Gaming em todas as Ruas do Centro
Ambos pretendem levar o Street Gaming a vários munícios do país, especialmente na zona Centro. “Acreditamos que é um evento que tem mais probabilidade de sucesso no interior, onde geralmente há mais capacidade e vontade de dinamizar coisas diferentes”, afirma João.

O organizador considera esta iniciativa uma “oportunidade significativa” para a Região Centro de Portugal e para os territórios de baixa densidade.

“A sua natureza peculiar oferece uma plataforma única para reunir pessoas de diferentes origens e idades em torno de uma paixão comum: os videojogos e a cultura Pop. Além de proporcionar entretenimento e diversão, o evento impulsiona a economia local, atraindo visitantes e promovendo o turismo na região. Além disso, ao destacar o potencial criativo e empreendedor dos habitantes locais, o evento pode inspirar iniciativas semelhantes e promover o desenvolvimento cultural e social da área”.

Após edições em Cantanhede (Região de Coimbra) e Castelo Branco (Beira Baixa) em 2023, o evento regressou este ano às origens, com uma nova edição em Cantanhede. A quarta, ainda em 2024 (20 a 22 de Setembro), já tem destino marcado: Ourém (Médio Tejo).

O Street Gaming, explica João, é sempre organizado em parceria com um município. “Trazemos todo este espólio único – consubstanciado num museu – e montamos e dinamizamos o evento, o qual os municípios depois oferecem às respetivas populações”.

Viajantes de Évora
“Não acredito nisto! Um Amiga… e logo com o «Sensible Soccer»!”. A exclamação é de Pedro Ferreira, 45 anos. O Street Gaming fê-lo percorrer 313 quilómetros de Évora até aqui. “Já tinha percorrido 200 para ir à edição de Castelo Branco”, acrescenta de imediato, a rir.

E o que faz uma pessoa percorrer mais de mil quilómetros (ida e volta) para ir ao mesmo evento? “É muito simples”, assegura: “Não há mais eventos onde exista a possibilidade, pelo menos com esta intensidade, de fazer um flashback ao nosso passado com a computação e com os videojogos”.

Há momentos, sentiu na pele essa sensação nostálgica ao ver um Commodore Amiga, completamente funcional e, ainda por cima, com o jogo de futebol com que ele passava horas a defrontar o irmão no início dos anos 90. “Jogávamos muito o «kick Off» também. Mas o ‘Sensible’ tinha uma jogabilidade fantástica. Jogava esses jogos por causa dele, que era um pouco mais velho do que eu e adorava jogos de futebol. Já na altura do Spectrum, eram autênticos torneios de «Match Day»”.

Pedro não fez disto um plano solitário. Trouxe a família com ele. A esposa, Ana Rita, os filhos Xavier (9 anos) e Fausto (7) e o sobrinho António (3).

“Acho que é um evento de partilha, que permite mostrar aos meus miúdos como foi a minha história com a informática e com as consolas. Mas de uma maneira prática. Aqui eles podem vivenciar tudo, passar pela experiência de um jogo”.

Fausto está sentado em frente a uma Nintendo, com uma pistola cinza-laranja na mão, a jogar «Duck Hunt». Já Xavier, vê a sua predileção denunciada pela estampagem da mascote da Sega na sua T-shirt. “Esse agarrou-se logo à Megadrive com o «Sonic»”.

“Eles dizem-me que os jogos de agora são muito mais bonitos, mas que os de antigamente são muito mais divertidos e interessantes de jogar”, afirma o pai, com indisfarçável orgulho no olhar.

“Nos jogos de hoje há demasiada complexidade, são demasiados botões e combinações para conseguir entrar e, em cinco minutos, passar momentos de diversão”, afirma, enquanto vislumbra os seus filhos a ensinar o seu sobrinho de três anos a jogar «Crazy Taxi» numa arcade.

“Os videojogos, para mim, sempre foram um momento de família e de amigos. Quando era miúdo, juntávamo-nos na casa do meu primo e passávamos tardes a jogar, a brincar uns com os outros, a fazer pirraça, a lanchar juntos. Hoje, os jogos são jogados à distância, isolam cada vez mais o jogador e deram uma volta de 180 graus relativamente ao passado: ao invés de aproximar pessoas e construir amizades, aquelas da rua, que muitas vezes perduram para a vida, isolam e deprimem”.

Pedro afirma que, se hoje é engenheiro informático, deve-o a esses momentos de infância de contacto com os computadores e as consolas. O Street Gaming permite-lhe apresentar aos filhos esse mundo iniciático e as muitas histórias nostálgicas que lá vivem. “Eles adoram vir, conhecer e experienciar tudo isso. Seja onde for o próximo, lá estaremos!”.

Viajantes de Portalegre
No jardim exterior, sem que se saiba propriamente o motivo, dois indivíduos estão a lutar. Um é mais velho do que o outro, mas isso não o impede de vencer a luta. É assim com as duas personagens de «King of Fighters 94» que estão no ecrã do televisor. E é assim com os dois visitantes do Street Gaming que os controlam.

Acácio pego tem 67 anos e não é um aficionado dos videojogos. Mas fez dos videojogos uma grande parte da sua vida profissional nos anos 80 e 90. Tinha uma loja em Sangalhos (Anadia) onde vendia várias consolas, desde Master System e Megadrive aos Familly Game (a referida clone da NES). Vendia também imensas máquinas portáteis de jogos, muito populares na altura, incluindo uma célebre máquina azul da marca Tronica com o jogo «Space Revenger», que a pessoa que escreve estas linhas – até hoje, 30 anos passados – não sabe onde foi parar.

“Era uma loucura, as pessoas andavam doidas com isso. Foram muitos anos a vender disso”, afirma. “Olhe, aquele do patinho com a pistola («Duck Hunt»), vendi centenas deles.

A filha, Isabel, ia muitas vezes para a loja depois da escola e experimentava todos os jogos. “Era controlo de qualidade”, diz a rir. “Muitos clientes chegavam lá e pediam opiniões. Eu tinha de estar devidamente informada”.

A família veio de Portalegre de propósito para marcar presença neste Street Gaming, persuadidos por Bruno Azeitona, namorado de Isabel. Esse sim, um autêntico apaixonado por videojogos. “Sobretudo de retrogaming”, destaca. “Isso é que me puxa mais. Fui a todas as edições deste evento”.

O bichinho dos videojogos visitou-o quando tinha sete ou oito anos. Chegou a casa e tinha uma Familly Game na sala. “Aquilo tinha 610 jogos, nunca mais me esqueço”, diz Bruno, sorridente. ”Olha, o Super Mario, por exemplo, limpei-o muitas vezes. Aquela música quando se passa de nível ainda hoje me está na memória”.

Nessa altura, ele e dois amigos reuniam-se muitas vezes no final das aulas para jogar. “Jogávamos muito o Contra. Vez à vez, o jogo era difícil, mas muito divertido. Depois, passado algum tempo, tive uma Megadrive. E desde aí, fui sempre acompanhado a evolução dos videojogos”.

Agora com 42 anos, por vezes Bruno faz planos com os amigos de infância para reviver esses momentos. “Bebemos umas cervejas, jogamos e experienciamos essa nostalgia toda. É top!”.

Embora já tenha estado nas edições anteriores do Street Gaming, Bruno é sempre surpreendido pelas novidades. Há momentos “ficou louco” quando viu uma Neo Geo ao vivo, pronta para ser utilizada. Nas revistas da especialidade dos anos 90, era considerada uma espécie de “Rolls-Royce das consolas de videojogos”.

Agarrou de imediato nos joysticks e desafiou o sogro para um jogo de luta. “Limpou-me, sim. Mas está tudo bem!”, diz a rir. “A vida continua”.

Destaca a diversidade etária que se pode encontrar no recinto. “Logo por aí, consegue-se ver a aceitação global das pessoas. Há sempre muita gente a jogar e muita alegria espelhada nos rostos. É fantástico! Estamos todos aqui pelo mesmo. Para jogar, para nos divertirmos, para curtir um bocadinho”.

Quando questionado sobre a importância deste tipo de eventos para a Região Centro do país, Bruno pousa o comando e dispara de imediato: “Olha, nunca aqui tinha estado em Cantanhede. E estou aqui agora, graças a isto! Isso diz tudo, não diz?”.

Revela-se ansioso que o Street Gaming “se espalhe um pouco por todo o país”, em particular pelo interior. “Traz pessoas, estimula o comércio local. Nós vamos estar aqui o dia todo, vamos almoçar, lanchar e jantar aqui pela zona”.

Assegurando que vai regressar no dia seguinte, despede-se de nós e dirige-se para outra seção do evento. Pelo caminho, confessa: “Nem acredito que joguei uma Neo Geo”.

Todas as consolas do mundo
Uma característica que define o Street Gaming e orgulha os seus organizadores é que têm um espólio massivo de consolas e equipamentos antigos à disposição dos utilizadores.

Ao todo, são mais de 100 equipamentos (consolas, computadores antigos e máquinas Game & Watch) que o Museu Load ZX Spectrum adquiriu desde a primeira edição do Street Gaming. “Mas atenção, não quero ter um museu de consolas. Quero ter um espaço vivo de consolas”, assegura João.

“Essa é a grande diferença”, acrescenta Marco, entusiasmado. “Há eventos que têm consolas retro, mas as raridades, não podes tocar nelas. Estão quase num aquário. Nós metemos tudo isso a jogar”.

No street Gaming, um visitante pode passear pelos corredores das consolas e deparar com uma Neo Geo, uma Atari Pong, uma Sega 1000, uma Color TV-Game de 1977 (a primeira consola Nintendo), uma rara PSX japonesa, um Mega-CD, uma ColecoVision ou até uma Sega Mega Jet, “uma versão compacta e raríssima da Megadrive“ que era disponibilizada em aviões no Japão para os passageiros poderem jogar durante a viagem. E, futuramente, uma Magnus Vox Odissey de 1972, a primeira consola da história dos videojogos.

O duo organizador “diverte-se particularmente” com as expressões de espanto dos visitantes quando encontram estes equipamentos mais improváveis nos eventos.

“Este espólio orgulha-me! As últimas consolas que nos faltam são mesmo extremamente raras, são a nata da nata. Temos quase tudo o que existe! E já falta muito pouco para termos mesmo tudo”, confessa Marco.

“Sempre fizemos questão de não usar qualquer tipo de sistema de emulação. Só temos equipamentos originais, em funcionamento e à inteira disposição das pessoas”, afirma João.

Esse nível de purismo torna toda a operação logística mais complexa. Todas as consolas retro estão ligadas a televisões CRT, o que acarreta um desafio adicional no transporte. “Temos, inclusivamente, uma pessoa sempre presente nos eventos que, na eventualidade de avariar qualquer equipamento, o pode reparar na hora”, informa João.

E como tem funcionado o processo de triagem e aquisição de consolas? “É muito simples”, assegura Marco. “Sempre que é preciso investir numa consola, simplesmente digo ao João que ela existe”, afirma, com uma gargalhada.

Seguem-se autênticas epopeias em plataformas como a Vinted ou o Ebay. A localização do material é um obstáculo contornado pela obstinação e facilidade de gerar redes de contacto de João. “Tenho encomendas espalhadas pelo mundo, já desde os tempos da construção do Museu Spectrum. Fui buscar computadores ao Peru ou triciclos da Sinclair à Holanda. Já tive amigos que me adquiriram coisas em Inglaterra. Tenho histórias logísticas loucas”.

Na maior parte das vezes, as maiores raridades e melhores negócios estão nos Estados Unidos da América. Uma distância que João também arranjou maneira de encurtar. “Tenho um amigo português na Califórnia que recebe todo esse material. Já tem a garagem cheia com mais de 30 equipamentos, não sei como é que ainda não me mandou passear”, afirma, a rir.

É nessa garagem da Califórnia que está a Magnus Vox Odissey do Street Gaming.

Viajantes de Viseu
Junto a uma Game Cube, duas viseenses – Sofia (33 anos) e a filha, Amélia (8) – divertem-se a jogar «FIFA Street». Ambas fizeram-se à IP3 neste sábado escaldante de verão só com o intuito de marcar presença neste Street Gaming.

Por um lado, pela paixão dos videojogos que ambas partilham. Já jogaram em todas as máquinas arcade presentes no evento e em quase todas as consolas.
Por outro, porque a mãe queria muito apresentar este “bocadinho do seu passado gamer” à filha.

A memória mais antiga de um videojogo remete Sofia a um velho computador, que engolia disquetes que lhe permitiam jogar “Puzzle Bubble”. Depois veio o Game Boy e as longas jornadas a explorar «Super Mario Land» ou o «Pokemon Amarelo», que o avô lhe trouxe de Andorra, completamente em espanhol. “Mas conseguia jogar na mesma”, diz, com um sorriso. Os videojogos ultrapassavam barreiras, fossem físicas ou linguísticas.

A primeira Playstation foi outra das suas consolas de eleição, cujas saudades já teve oportunidade de saciar aqui no espaço.

Por vezes, é percetível um olhar ansioso que ambas deixam escapar para um dos cantos do recinto. Estão à espera que uma Nintendo Switch fique livre, para poderem fazer corridas no «Mario Kart». “Vai ser muito divertido”, diz Amélia, entusiasmada.

Sofia debruça-lhe o olhar, enternecido. “Já tinha ouvido falar desta iniciativa e senti que era a oportunidade certa para a trazer. Estamos a gostar imenso de partilhar estes momentos as duas, acho importante e especial partilhar esta nostalgia com ela”.

Centro: A capital do gaming
Para além da premissa do Street Gaming, que almeja levar a vários territórios do Interior autênticas aventuras epopeicas de videojogos, o Centro de Portugal tem sido uma espécie de Meca para os eventos de gaming.

São cada vez mais os eventos dentro desta temática que são organizados, periódica ou pontualmente, na região Centro, desde o Gaming Xperience (Aveiro), o Leiria Gaming Weekend ao Tomar Game Festival, entre muitos outros.

Todos os anos, a convenção Coimbra BD inclui uma ampla área Gaming com um espaço free to play onde é possível experienciar desde os clássicos aos mais recentes lançamentos da indústria.

E todas as primaveras, a vila histórica de Óbidos abre as portadas do seu castelo para organizar um dos maiores eventos de gaming do país, o Óbidos Vila Gaming. Vamos também conhecê-lo melhor.

Óbidos Vila Gaming
As muralhas históricas da vila de Óbidos acolhem o Óbidos Vila Gaming, um evento anual, organizado pelo município de Óbidos em parceria com a empresa municipal Óbidos Criativ, a OBITEC (Parque de Ciência e Tecnologia) e a E 2 Tech, que celebra a indústria dos videojogos, reunindo entusiastas, profissionais e empresas do setor a nível nacional.

“É mais do que uma simples convenção de videojogos; é uma plataforma multifacetada que combina competição, inovação, educação e networking, focando-se em diferentes vertentes dos videojogos, desde o desenvolvimento e design até à realidade virtual e esports. É um ponto de encontro estratégico para a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da área, estudantes e interessados”, informa Filipe Daniel, presidente da Câmara Municipal de Óbidos.

“Inclui torneios de esports, workshops, palestras, exposições de jogos independentes e demonstrações de novas tecnologias. É também uma oportunidade para empresas e startups exibirem seus produtos e inovações, promovendo o crescimento e a visibilidade do setor em Portugal”.

E o setor, destaca o autarca, é significativo. A indústria dos videojogos atingiu receitas globais de aproximadamente 159,3 mil milhões de dólares em 2020, superando a soma das indústrias do cinema (41,7 mil milhões) e da música (41,7 mil milhões).

“Esta comparação destaca a robustez e o potencial de crescimento da indústria dos videojogos, tornando-se um setor atrativo para investimentos e desenvolvimento económico”.

Óbidos Vila Gaming em Números
A edição de 2024 do evento (realizada entre 4 e 12 de maio) recebeu 25 mil visitantes, que tiveram acesso a mais de 200 postos de jogo, incluindo 70 cadeiras de Gaming, 50 consolas, 12 dispositivos de realidade virtual, 10 simuladores, 70 monitores, 40 PCs e mais de 50 máquinas arcade, com clássicos como «Pacman», «Space Invaders», «Donkey Kong», «Metal Slug», «Final Fight», «Street Fighter 2», «Sega Rally» ou “Daytona USA».

As atividades incluíram 81 horas de programação, distribuídas por 15 áreas na vila.

Houve sessões de eSports, como o «Rocket Master League Portugal», torneios de «Fortnite», «Counter-Strike» e «EA Sports FC 24».

No âmbito da iniciativa “Game Dev Sessions”, realizaram-se também seis ‘workshops’ sobre a indústria dos videojogos, contando com a presença de algumas empresas do setor e abrindo aos jovens participantes a possibilidade de apresentarem os seus portefólios e tentar ser recrutados.

Óbidos como Hub da indústria
A ideia para o Óbidos Vila Gaming surgiu de uma necessidade: a atração e fixação de jovens talentos para a vila, com uma estratégia focada em criar “um ecossistema propício” para o desenvolvimento de carreiras altamente qualificadas.

“O Gaming, que vai muito além do entretenimento, foi identificado como um setor estratégico e inovador. Ao implementar este evento, Óbidos posiciona-se como um polo tecnológico e criativo, incentivando o desenvolvimento económico e social da região, promovendo a interação entre tecnologia e outras atividades económicas”, afirma Filipe Daniel.

Sublinhando uma “forte aposta” do município no setor do gaming e no design criativo, o autarca dá alguns exemplos de iniciativas nesse sentido, como a criação de hubs tecnológicos (espaços dedicados ao desenvolvimento de startups e incubadoras de empresas relacionadas com a tecnologia e videojogos), parcerias com Instituições de Ensino (colaborações com universidades e escolas técnicas para oferecer programas de formação especializada), eventos de Networking e Conferências que facilitam a conexão entre jovens profissionais e empresas do setor e o desenvolvimento de infraestruturas modernas que suportam as necessidades tecnológicas das empresas e profissionais da indústria dos videojogos.

“Ao focar-se nestas estratégias, Óbidos posiciona-se como um centro de inovação e criatividade, atraindo jovens talentos e fomentando um ambiente de crescimento económico sustentável através do setor dos videojogos”.

Observatório de Gaming
Durante a edição de 2024 do Óbidos Vila Gaming foi lançado o primeiro Observatório de Gaming e esports, que visa “responder à ausência de dados factuais e fidedignos” sobre esta indústria, realizar estudos de investigação e perceber, “de forma atual e a curto prazo”, qual é o estado do gaming e dos eSports em Portugal, seja o mercado, a realidade social ou a representatividade desta indústria para o país.

O Observatório de Gaming e esports é uma iniciativa da OGE – Associação Portuguesa de Observação do Gaming e dos eSports, entidade que envolve o Município de Óbidos, investigadores e profissionais da área, o Politécnico de Leiria, o Agrupamento de Escolas de Óbidos e o Óbidos Parque, onde se encontra sedeado.

“Mais um passo que consolida Óbidos como um polo estratégico para a cultura gamer e tecnológica”, destaca Filipe Daniel.

O que torna o Óbidos Vila Gaming um evento diferenciador? Filipe Daniel não hesita na resposta: “É, sem dúvida, a sua realização dentro de um castelo medieval, criando um cenário icónico, único e memorável”.

No entanto, o autarca destaca que “o verdadeiro diferencial” está no “cariz altamente profissional” das equipas responsáveis pela dinamização do Óbidos Vila Gaming. “Organizam o evento com um foco rigoroso na qualidade, inovação e relevância, proporcionando uma experiência enriquecedora tanto para profissionais da indústria como para entusiastas”.

E os entusiastas tanto podem ser amantes dos videojogos mais modernos como apaixonados nostálgicos pelos clássicos retro. “ Do retrogaming à última geração de consolas, podem esperar uma experiência completa e diversificada no Óbidos Vila Gaming”.

“A combinação do ambiente histórico com a excelência profissional faz do Óbidos Vila Gaming um marco distintivo no setor dos videojogos”.

“É fantástico ver o crescimento e a diversificação dos eventos de gaming no Centro de Portugal”, afirma João Diogo Ramos. “Tanto eu como o Marco Fresco somos do distrito de Coimbra e é especialmente gratificante ver a nossa região florescer com um núcleo vibrante de atividades. Esperamos continuar a contribuir para dinamizar ainda mais essa área e fortalecer a comunidade de gamers e entusiastas de cultura pop na região”.

A proliferação de eventos no Centro deixa Marco particularmente feliz: “Adoro! Acho incrível! Quem me dera a mim, quando era novo, ter esta quantidade e diversidade de atividades à disposição”.

Esse sentimento – explica – torna-se motivador. “Motiva-nos a tentar chegar aos sítios onde não há este tipo de eventos. Em Cantanhede e Castelo Branco, por exemplo, o Street Gaming foi o primeiro evento de gaming de sempre. E nós sentimos muito esse reconhecimento local, as pessoas vem ter connosco e dizem: ‘Obrigado por trazerem isto cá’.”

Cosplay
Deambula pela tenda com um vestido verde e longas tranças ruivas. Mas no último dia do Street Gaming, Ana Martins vai estar bem diferente. Vai vestir a pele de Sett (versão Heartsteel) do videojogo «League of Legends».

Tem 29 anos e faz cosplay há 13. “Sempre foi uma oportunidade fantástica para me expressar, não só como homenagem às personagens que gosto, mas também pela sensação de poder ser, durante um dia, outra pessoa”.

Esta paixão despertou-lhe inúmeras aptidões. Aprendeu a costurar, a fazer moldes, a trabalhar com eletrónica ou a fazer impressões 3D. “É muito divertido passar por todo esse processo, criar o meu próprio fato e depois estar numa convenção a partilhar isso com as pessoas”.

Ana vai ser a apresentadora do concurso de cosplay do Streetgaming. Desafia todos os entusiastas pela atividade a libertar qualquer tipo de receio e a participar. “Especialmente neste tipo de eventos, num ambiente mais familiar que ajuda a superar inibições. Desde crianças a adultos, todos podem subir ao palco mostrar a sua criatividade”.

Sorri e assegura: “Qualquer pessoa pode participar! Só é preciso ter vontade e paixão. O cosplay, tal como o Street Gaming, é para toda a gente”.

“O cosplay é muito importante, dá muita vida ao evento”, afirma Marco. “Temos sempre muitas inscrições, por vezes até de famílias inteiras. Em Castelo Branco, um casal e os seus dois filhos pequenos participaram todos juntos, a representar personagens de «Naruto».”

Na primeira edição do Street Gaming houve até personagens de «Street Fighter» em ação no palco. Literalmente. Foi uma performance que surpreendeu tudo e todos, efetuada pelo grupo Insanity.

Desta vez, vai voltar a haver luta, mas com outras personagens e noutro tipo de palco. Dentro de momentos vão ser destrancadas as portas do torneio «Mortal Kombat 2».

João inscreveu-se. Está, neste momento, a treinar com Marco, num duelo de «Ultimate Mortal Kombat 3» numa Megadrive. “Vais levar na cabeça como levaste na «Pong» em Castelo Branco”, avisa João. “Não desmintas que está filmado pela RTP”, afirma, referindo-se a uma reportagem da RTP nessa edição do Street Gaming que captou esse duelo. “Foi uma sova monumental”.

Num intervalo entre dois rounds, João olha para trás e solta um sorriso malandro: “Na realidade, nem sei se ganhei ou não, mas eu gosto de picar a malta!”.

“Ó pá, aqui não conta… na arcade é que é!”, resmunga um deles, assim que as letras garrafais a vermelho surgem no ecrã da televisão, dando corpo a um imperativo “finish him!”.

O torneio vai decorrer numa máquina arcade do jogo «Mortal Kombat 2». “É a máquina original de 1993, com todos os componentes originais”, afirma Fernando Oliveira, um portuense de 49 anos que é o responsável pela presença de todas as arcades em todas as edições do Street Gaming.

Salão de jogos ambulante
Rua 31 de Janeiro, Porto, 1991. Fernando tinha 14 anos e, por isso, não podia legalmente entrar no salão de jogos Luna. Um ou outro dia, quando a confiança e a rebeldia da idade ardiam com mais fervor, arriscava escapulir-se lá para dentro. Mas, na esmagadora maioria das vezes, via aqueles jogos que tanto o fascinavam a partir da entrada do Luna.

A máquina com o jogo «Street Fighter 2» estava junto à entrada, virada para o exterior. Por isso, Fernando passava horas a ver esses duelos entre aquelas personagens “enormes e com gráficos de topo” na altura.

“Aquilo era uma loucura, havia filas gigantes de pessoas para jogar ao bota-fora. Mas estavam sempre por lá os pro’s que arrebentavam com toda a gente e nunca saiam da máquina. Os outros, metiam a moeda de 50 escudos, sentavam-se e passados dois minutos já estavam cá fora”, relembra Fernando.

Quando, finalmente, teve idade para usufruir daquilo tudo, Fernando passou a ser um cliente assíduo do Luna. Mas também tinha passagens bastante fugazes pela máquina preferida de todos. “Os pros continuavam por lá e era impossível competir com eles”.

Mesmo munido do bilhete de identidade que lhe permitia frequentar o salão à vontade, Fernando continuava a não conseguir usufruir em pleno do seu videojogo preferido. Como tantos outros jovens da altura, sonhava tê-lo na sua casa. O sonho demorou 18 anos a concretizar.

Em 2009, Fernando soube que um proprietário de um antigo salão de jogos mantinha máquinas há muitos anos num velho armazém. “Iam acabar por ir para o lixo, fui lá e adquiri algumas. A ideia era recuperá-las e divertir-me com os amigos lá em casa”.

Mas os visitantes começaram a ficar cada vez mais curiosos e interessados em ter um “brinquedo daqueles” nas suas salas, sótãos ou garagens. Inicialmente, Fernando divertiu-se a adquirir máquinas velhas, recuperá-las e vendê-las a “preço de custo” aos amigos. O interesse começou a expandir-se a conhecidos e amigos de conhecidos. “Foi aí que percebi que havia ali um negócio, que afinal não era só eu ‘o maluquinho das arcades’. “Comecei a fabricar máquinas de raiz e criei a Arcade Game”.

Hoje, Fernando tem cerca de 160 máquinas arcade, guardadas em dois armazéns, em Vila Nova de Gaia e Vila do Conde. “Mais algumas em casa”.

“Embora também as venda, sempre que encontro máquinas originais – específicas de um jogo – tento mantê-las em minha posse, pela nostalgia. As genéricas, recupero e vendo. Ou contruo-as de raiz, personalizadas de acordo com as preferências do cliente”.

A Arcade Game esteve nas três edições do Street Gaming.

“Dá-me uma alegria enorme ver a expressão das pessoas a olhar para estes tesouros de antigamente. Sejam as arcades ou as consolas, é incrível! Mesmo os mais novos, dá gosto ver como reagem: sentam-se, olham e exploram uma coisa que nunca viram na vida. É isso que me motiva a continuar a estar sempre presente nestes eventos”.

Fight!
Novembro, ano 2023 D.C. Vários curiosos acotovelam-se para conseguir um vislumbre de um musculado braço robótico, que se movimenta às ordens de um ZX Spectrum. O artefacto tecnológico está guardado no stand do Museu LOAD ZX Spectrum, no Lisboa Games Week.

Hoje, o cérebro por trás dessa invenção, Rui Martins, defronta João na meia-final do torneio de «Mortal Kombat» 2 do Street Gaming. “Não quero perder com ele nem por nada, geralmente o sacana ganha-me, mas espero dar-lhe uma malha”, diz o coorganizador do evento.

O duelo começa. Liu Kang vs Liu Kang. Quando a poeira assenta, o lutador controlado por João é o ultimo de pé.

Na outra meia-final, Nuno Cardoso (Grow Up) enfrenta André Galático, fenómeno do Tik Tok com mais de meio milhão de seguidores. Scorpion contra Liu Kang. Após três rounds, Nuno assegura o seu lugar na final.

Segue-se o embate pelo terceiro lugar no pódio. Rui contra André, Liu Kang contra Liu Kang.

Entre a assistência, ouvem-se várias expressões de espanto pela escolha predominante não recair sobre o Sub-Zero, talvez o personagem mais popular e recorrente nos duelos de «Mortal Kombat». Mas aqui não. “Estão quase todos a jogar com o Liu Kang, pá”, alguém diz.

Para João, essa escolha não é nada surpreendente. “Em todos os videojogos de luta, jogo sempre com a personagem que seja mais parecida com o Bruce Lee. No «Tekken», é o Law, no «Street Fighter», é o Fei Long. E no «Mortal Kombat», é sempre o Liu kang!”.

Confessa-se um fã inveterado do célebre ator e lutador sino-americano. Viu todos os filmes e leu todos os livros sobre ele. E não só. “Fui a Hong Kong em trabalho e visitei um museu com uma exposição dedicada ao Bruce Lee. Comprei lá uma réplica do fato amarelo dele no filme «Game of Death» e, quando cheguei a Portugal, gastei uma fortuna num manequim todo branco. Hoje, o Bruce Lee está na minha sala de cinema, com as matracas e tudo”.

A grande final gera espetativa, com uma pequena multidão a aglomerar-se à volta dos finalistas. O Youtuber Daniel Soares é o dinamizador da competição e o seu entusiasmo continua a angariar cada vez mais público. Muitos dos elementos da assistência são da equipa. “Na realidade, é muito mais do que uma equipa”, sublinha Marco.

Família Street gaming
Deambulam um pouco por todo o espaço, com camisolas negras a afirmar que “O gaming sai à rua”. Estão sempre prontos para esclarecerem dúvidas, oferecerem sugestões ou até para acompanhar os visitantes nestes dias de viagem pelo mundo antigo e moderno dos videojogos.

“Vemos esta equipa como família e integramos todos dessa forma”, afirma Marco. “Todos temos em comum o amor pelos videojogos e a diversão proporcionada pelos mesmos”.

A família Street Gaming surgiu de dois ramos diferentes mas complementares, o Museu LOAD ZX Spectrum e o MF Gaming.

“Mesmo com diferenças geracionais pontuais e competências técnicas e soft skills variados, desde o início que se percebeu que havia uma partilha de valores como camaradagem/entre-ajuda, boa disposição/diversão e profissionalismo/seriedade por parte de todos os elementos”, afirma João. “Estes valores expandiram-se na escolha dos parceiros que têm estado connosco desde a primeira edição do evento”.

Marco faz um aceno concordante com a cabeça e acrescenta: “Levar o Street Gaming a novos locais representa a confirmação que todo o esforço, dedicação e paixão desta família é justificável”.

You win!
Alguns participantes pausam os jogos das consolas e olham para trás, a tentar percecionar de onde veio o grito que se propagou pelo espaço. João está de braço no ar e punho cerrado. No ecrã, o seu Liu kang debruça-se numa postura de agradecimento. Muitos, alheios ao torneio, ainda se questionam sobre o que se terá passado. O grito foi bem audível por todos. Talvez incorporasse mais do que uma luta. A das artes marciais, mas também a negocial, a logística, a burocrática. Todos os rounds de uma luta invisível cujo desfecho vitorioso permitiu que milhares de pessoas tivessem usufruído de tudo o que aqueles três dias tiveram para oferecer naquele recinto. João venceu esse torneio, juntamente com Marco e toda a família Street Gaming.

Já é de noite quando abandonamos o recinto, que ainda está cheio de gente. Há uma morna brisa noturna que entra pela tenda e oferece uma reminiscência de noites antigas de verão em salões de jogos, com uma ou outra janela aberta entre flippers, bilhares e máquinas arcade.

Passamos por Byron, que ainda anda por lá, a abanar e cabeça e a sorrir:“What a ride mate, what a ride!”.

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