Entrevista a Daniel Picanço, o português que trabalha na Mercury Steam

Entrevista a Daniel Picanço, o português que trabalha na Mercury Steam por Jorge Loureiro

Estudou na Odd School e é hoje um concept artist.

“Bem-vindo à primeira edição de uma série de entrevistas com portugueses envolvidos na criação de videojogos e que actualmente estão a trabalhar em grandes estúdios. A entrevista é fruto de uma parceria com a Odd School, uma escola de entretenimento digital situada em Lisboa por onde passaram vários portugueses que hoje estão a dar frutos lá fora na indústria dos videojogos. A primeira entrevista é com Daniel Picanço, que estudou concept art na Odd School e está agora na Mercury Steam, o estúdio espanhol mais conhecido por Castlevania: Lords of Shadow e que está neste momento a desenvolver Raiders of the Broken Planet.

Olá Daniel. Para os nossos leitores, faz uma pequena apresentação de ti.

Olá, chamo-me Daniel Picanço e tenho 23 anos. Nasci e vivi no Algarve até aos meus 17 anos, altura em que me mudei para Lisboa para estudar Pintura na Belas Artes. Após terminar o primeiro ano, decidi sair e procurar outro percurso. Foi aí que encontrei a Odd School, onde estudei Concept Art. Actualmente vivo em Madrid e trabalho como Concept Artist na MercurySteam.

Quando é que descobriste que era isto que querias fazer como teu trabalho?

Isto soa cliché, mas desde pequeno que desenho e que tenho uma grande paixão por cinema, jogos e criação de histórias. Por isso acho que é seguro dizer que algo no fundo da minha mente sempre guiou-me nesta direcção. No entanto, creio que quando saí da Faculdade as peças encaixaram na minha mente e percebi que este era o caminho a tomar.

Já vimos que estudaste na Odd School Concept Art. Fala-nos um bocado dessa experiência?

Como já disse, entrei na Odd logo a seguir à minha saída da Universidade. Já me tinham falado da escola mas naquela altura eu tinha de tomar uma decisão muito séria. Marquei uma entrevista e, quando saí, já estava inscrito. Foi um momento de grande claridade e devo dizer que fiquei muito surpreendido por ver algo assim a subsistir em Portugal. Foram, sem dúvida, dos melhores anos que já passei. A Odd foi uma segunda casa para mim, com um ambiente trabalhador mas familiar. Um sítio onde todos lutavam (e lutam) por um objectivo comum e partilhavam os mesmos interesses que eu, visto que nunca gostei de futebol! Neste momento posso dizer que é definitivamente o sítio a estar, em Portugal, para quem quer estudar Concept Art ou Produção 3D.

“A Odd foi uma segunda casa para mim, com um ambiente trabalhador mas familiar”

Durante o meu percurso, tive contacto com vários artistas que trabalham diariamente na área e que partilham o nosso entusiasmo, o que foi muito enriquecedor. Além disso, as turmas funcionam como equipas num estúdio e, depois de tantos dias a lutar lado a lado, saímos uma família. Creio que o que se destaca na escola é o facto de estudarmos num ambiente acolhedor. Se tivéssemos dúvidas ou precisássemos de algo, mesmo que se tratasse de um assunto pessoal, podíamos falar abertamente. O David Dias, o coordenador de curso, já é como um irmão mais velho para nós. Lembro-me de um dia específico em que ele sentou-se comigo para rever a razão de eu demorar demasiado tempo numa ilustração. No final do dia, eu estava a cronómetro e com uma folha de “Passos a seguir!” colada ao meu monitor. Nunca mais tive o mesmo problema. Foram tempos cansativos, mas sempre divertidos!

Na Odd School pudeste conhecer, falar e aprender com artistas internacionais convidados na Industria. Como foi essa experiência?

Todos os workshops foram incríveis, cada um à sua maneira. Tive a oportunidade de conhecer Adrian Smith, um ilustrador veterano da área da fantasia e jogos de mesa e Florian de Gesincourt, um Concept Artist espectacular que já trabalhou com uma grande variedade de empresas (Magic the Gathering, Ubisoft no The Divison, etc.). Já conhecia alguns dos seus trabalhos, mas ter contacto com eles durante uma semana inteira deu-nos a conhecer o lado humano por detrás das imagens. Quando se é muito novo é fácil ficar impressionado e pôr algumas destas pessoas em pedestais. Aqueles dias mudaram a nossa perspectiva da indústria e fez-nos entender que somos todos iguais. Além disso, aprendemos montes de técnicas novas e foram semanas em que o nosso crescimento artístico aumentou em 200%.

Depois de terminares os teus estudos e fazeres a apresentação final dos teus trabalhos, deu-se a entrada para o mercado de trabalho, e entraste logo no teu primeiro trabalho para um empresa de jogos lá fora. Como é que foi todo esse processo?

Devo confessar que foi difícil. Demorei 5 meses a arranjar um trabalho. Apesar de tudo, a indústria dos videojogos está a crescer a uma velocidade incrível e, com a mesma, também a nossa competição. Quando fizemos as apresentações finais na escola, tivemos um júri que nos aconselhou e que nos apontou áreas a corrigir, de forma a acelerar a entrada para o mercado de trabalho. A partir daí foi uma questão de não parar. Continuei a pintar e a melhorar as minhas habilidades o máximo possível. Ao mesmo tempo, juntei uma lista de empresas que tinham vagas para Concept Artists (e outras que não) e tomei o hábito de enviar, no mínimo, um currículo por dia. Trabalhar sozinho em casa é mais difícil e chega a ser algo solitário, por isso este período foi custoso. Fiz alguns trabalhos freelance fora da minha área específica, dei aulas na Odd e cheguei a criar um canal no Twitch, inspirado pelo meu colega Bruno Henriques (Sathoryn), que me ajudou a manter uma rotina diária para não esmorecer. Foi preciso enviar mais de 30 currículos para receber uma resposta positiva que, felizmente, deu resultado. O facto de ter entrado numa empresa estrangeira foi propositado. Infelizmente o nosso país, apesar de belo, ainda é algo antiquado em certos assuntos. Temos pequenos estúdios de jogos, mas a situação é muito precária e não existe qualquer tipo de fomentação ou interesse por parte de investidores.

Agora que já lá estas como foram os primeiros tempos lá, num pais novo, trabalho novo e sozinho?

“A entrada no estúdio foi um dia incrível para mim e posso dizer que sinto-me em casa com as pessoas com quem trabalho”

As semanas de mudança para Madrid foram de muito entusiasmo, confusão, e ansiedade (ansiedade boa!). A papelada que tive de arranjar para me tornar num trabalhador legal foi algo complicada, mas o estúdio acompanhou-me durante todo o processo e certificou-se que eu tinha tudo o que fosse necessário. Agora que relembro, encontrar casa foi o mais difícil, mas consegui arranjar um tecto perto do trabalho! Claro que mudar-me para outro país custou. Não foi fácil ter de me despedir da minha família e namorada. Mas como já disse, foram semanas de sentimentos mistos. A entrada no estúdio foi um dia incrível para mim e posso dizer que sinto-me em casa com as pessoas com quem trabalho.

Já conhecias a mercury steam antes de entrar, mas agora que estás a trabalhar nela, deves ter uma percepção completamente diferente e mais exacta. Podes falar um bocado dessa experiencia de “ver” a empresa por fora e trabalhar mesmo “la dentro”?

Já conhecia a Mercury há bastante tempo. Fiquei fã depois de jogar o primeiro Castlevania deles! Infelizmente não posso mencionar nada em detalhe, devido a protocolos de segurança. No entanto posso dizer que tem sido uma experiência única para mim. Quando saímos da Odd School já tínhamos uma ideia geral do funcionamento de um estúdio, mas agora que trabalho num, finalmente compreendo a quantidade de trabalho envolvido na criação dum jogo. A lista da Mercury já é impressionante e sinto-me muito felizardo por trabalhar num projecto de escala AAA com apenas 23 anos.

Quais as maiores diferenças entre fazeres os trabalhos da escola e agora fazeres os trabalhos reais?

O salário, Hahaha! Felizmente a escola preparou-me bem, por isso não sofri nenhum choque ou algo assim. Contudo, a carga de trabalho é maior e a exigência em termos de qualidade também! Além disso há uma responsabilidade acrescida. Há datas por cumprir e metas por realizar. E os Concept Artists são a primeira linha de combate em qualquer projecto, por isso, se alguém falha, atrasa a produção.

Conta-nos como é o teu dia a dia normal como concept artist numa empresa de Videojogos.

Como já mencionei, não posso providenciar detalhes. Posso dizer que no estúdio todos os Concept Artists são proficientes em várias áreas então já tive a oportunidade de fazer um pouco de tudo. Tem sido realmente enriquecedor!

A mercury Steam prepara-se para lançar o seu novo jogo brevemente. O que nos podes dizer sobre o jogo?

Chama-se “Raiders of the Broken Planet” e é um TPS assimétrico. Passa-se num futuro longínquo onde acompanhamos um grupo improvável de personagens que lutam pelo domínio de uma energia chamada Aleph.

Tu quando chegaste, o jogo estava no início ou já estava tudo já definido? Tiveste liberdade para criares algo de raiz ou tens linhas guias de estilo ja bem definidas?

Quando cheguei, o projecto já tinha uma fundação bem assente. Crio designs novos, mas tenho de responder a certos parâmetros definidos pelo director de arte (Jorge Benedito).

A arte do jogo tem um estilo muito próprio. Quais as inspirações para a mesma e qual a dificuldade de passar as ideias desenhas pelos concept artists para os modelos feitos pelos artistas 3D?

O jogo tem muita inspiração narrativa do filme “Os magníficos 7”. Em termos de arte, tem um toque de anime sci-fi e um pouco de Western, o que torna as coisas interessantes. No que toca à tradução dos Concepts para 3D, não posso mencionar nada específico, mas digo-vos que a quantidade de coisas que um Concept Artist tem de ter em mente durante a criação vai muito além do que é “bonito”.

Suponho que todos na empresa testem o jogo. Como é que isso funciona, e não se fartam? E já agora, és um dos “prós” ou um dos que levam “tareias”?

Infelizmente não posso falar sobre isso, mas quando o jogo sair prometo ser um inimigo duro de roer ;)

” O último que joguei foi o DOOM. Adorei, super divertido. Fora isso, só tenho jogado Rocket League e Overwatch”

Ainda jogas muito? O que andas a jogar ultimamente?

Tanto quanto consigo! É engraçado agora rever que quanto mais me integrei na área enquanto trabalhador, menos fui jogando. Apesar de tudo, sempre que arranjo um tempo livre ainda lhe dou uns toques! O último que joguei foi o DOOM. Adorei, super divertido. Fora isso, só tenho jogado Rocket League e Overwatch (e Dark Souls 3 quando tenho muito tempo livre).

Sabemos que não trabalhaste em videojogos em Portugal, mas para alguém agora a ver de fora e com amigos dentro da industria, como vês o desenvolvimento de jogos por cá?

Como já disse, acho a situação no nosso País muito precária. E é triste, porque em termos culturais temos muito material por onde pegar. No entanto, abrir um estúdio de jogos em Portugal é um negócio muito arriscado porque não existem apoios, não existe nenhum tipo de plataforma ou lei que assista e proteja quem quer investir. E além disso, quem tem capital para investir raramente sabe como funciona esta indústria. Não sabem nem se informam.

Pensas voltar a Portugal? E o que seria preciso para voltares?

Agora só volto para ver a minha família e para férias. As praias do Algarve são as melhores! Neste momento o meu foco é em frente. Quero explorar o mundo e conhecer outras culturas. Madrid tem sido uma experiência maravilhosa e só me tem dado mais vontade de viajar, por isso, voltar a viver em Portugal é um cenário muito improvável.

O teu tempo agora deverá ser grande parte dedicado ao desenvolvimento do jogo, mas ainda fazes os teus projectos pessoais?

Depois do trabalho os meus projectos pessoais são uma grande prioridade. A verdade é que apenas há pouco tempo tenho conseguido chegar a casa com energia suficiente para pintar e desenhar. Nos primeiros meses de trabalho, chegava a casa, jantava e dormia! Foi uma mudança brusca e tive de assimilar uma grande quantidade de informação para acompanhar os meus colegas de trabalhos (que já têm muitos anos de experiência). Apesar de tudo, cada vez mais dou importância aos meus projectos. É importante ter algo nosso onde podemos descarregar as frustrações, experimentar ideias e desenvolver os nossos gostos. Quero expandir os meus horizontes e, esta metodologia de trabalho, definitivamente ajuda.

Neste momento estás em videojogos, mas tens outros projectos que gostavas de seguir?

“Nos primeiros meses de trabalho, chegava a casa, jantava e dormia!”

Eu gosto um pouco de tudo. Neste momento o meu objectivo é aguçar as minhas habilidades e alcançar o mercado da ilustração. No entanto, acho que a minha maior paixão sempre foi o cinema. Fazer concept para filmes é uma ideia que me atrai, mas o meu desejo é um dia conseguir realizar um filme!

Desde que acabaste o teu curso na Odd School, já se iniciou outras turmas, que agora olham para trajectos profissionais como o teu, como exemplo a fazer. Para esses alunos que conselhos podes deixar se querem singrar na industria?

Há tanto para dizer! Acho que cada pessoa é um caso diferente. O que eu considero mais importante é aprender que o falhar faz parte do sucesso. Não existe vitória sem quedas. Eu ainda sou bastante jovem e tenho muito por aprender, mas esse foi o conselho que mais me ajudou nos maus momentos, quando um trabalho corria mal ou eu sentia que não estava a evoluir. E claro: praticar, praticar praticar!

Algumas ultimas palavras?

Quero agradecer à minha família e namorada pelo apoio incondicional. Agradecer também à equipa da Odd e ao David Dias, Bruno Henriques, André Pinheiro e Ivo Francisco pelas boas memórias da Odd.

Obrigado Daniel, pelo teu tempo despendido.”

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